O que é CoMiSS®?
A pontuação dos sintomas relacionados ao leite de vaca (CoMiSS®) foi desenvolvida pela primeira vez por um grupo de especialistas de renome internacional em 2015 como uma ferramenta de conscientização para profissionais da saúde para avaliar a presença de sintomas relacionados ao leite de vaca em lactentes.8 Desde 2015, foram realizados e publicados 25 estudos clínicos utilizando CoMiSS®.9 Com base nestas novas evidências clínicas e anos de experiência, o grupo de especialistas internacionais atualizou o CoMiSS® em 2022.10
- CoMiSS® é uma ferramenta de conscientização simples, rápida e fácil de usar para identificação dos sintomas relacionados ao leite da vaca, desenvolvida para ser utilizada por profissionais de saúde da atenção primária
- CoMiSS® permite identificar os sintomas mais comuns da APLV que podem ajudar a um diagnóstico mais precoce.
- CoMiSS® também pode ser usada para avaliar e quantificar a evolução dos sintomas durante uma intervenção terapêutica.
- CoMiSS® é destinada a ser usada em lactentes menores de 1 ano.
- A ferramenta não se destina a lactentes com sintomas graves e com risco de morte que indiquem claramente APLV, incluindo anafilaxia, que requer encaminhamento urgente.
O que é APLV (Alergia à Proteína do Leite de Vaca)?
A APLV é definida como uma reação adversa reprodutível a uma ou mais proteínas do leite mediadas por mecanismos IgE ou não IgE. A APLV é uma das alergias alimentares mais comuns em crianças com menos de 3 anos de idade.
A prevalência de APLV é relatada como sendo de até 3%, mas é muito variável dependendo do país, região e do método de diagnóstico utilizado.1
A APLV muitas vezes não é considerada como um diagnóstico, principalmente devido à falta de um marcador de diagnóstico específico.
A APLV pode induzir uma gama diversificada de sintomas de intensidade variável.2,3,4 A maioria dos lactentes com APLV tem ≥ 2 sintomas em ≥ 2 sistemas de órgãos, incluindo os sistemas respiratório e digestivo e a pele.3
Cerca de 50%-70% apresentam sintomas cutâneos, 50-60% sintomas gastrointestinais e cerca de 20-30% sintomas respiratórios.5
Há dois grupos de pacientes que se apresentam com sintomas sugestivos de APLV:
- Aqueles com reações imediatas (principalmente reações mediadas por IgE), ocorrendo dentro de minutos a 1- 2 horas após a ingestão de leite de vaca. Este grupo é geralmente mais fácil de reconhecer. Os sintomas imediatos podem afetar a pele (prurido, urticária, angioedema agudo), o trato respiratório (pieira, dificuldade respiratória), o sistema circulatório (hipotensão/taquicardia em casos de anafilaxia) e menos frequentemente o trato gastrointestinal (vômitos e potencialmente diarreia).
- Aqueles com sintomas retardados que ocorrem após horas a semanas da ingestão do leite de vaca (a maioria não mediada por IgE). Este grupo é geralmente mais difícil de reconhecer, mas representa a maioria dos lactentes com sintomas suspeitos relacionados ao leite de vaca vistos pelos prestadores de cuidados de saúde primários. Estas reações retardadas podem afetar o sistema gastrointestinal (vômitos, diarreia, obstipação, sangue nas fezes), a pele (dermatite atópica, eczema) e sintomas gerais que causam irritabilidade, tais como dor/desarranjo após comer, irritabilidade crônica/choro. Neste caso, os sintomas circulatórios são raros.
Por que é difícil diagnosticar APLV?
O diagnóstico de APLV pode muitas vezes ser desafiador porque muitos dos sintomas ocorrem comumente em lactentes saudáveis durante seu período normal de crescimento e desenvolvimento.6
- Lactente chorando, com “cólica”
- Defecação difícil ou 2-3 fezes amolecidas por dia
- Regurgitação frequente
- Dermatite atópica ou eczema
Além disso, a APLV não mediada por IgE apresenta sintomas tardios, de modo que nem sempre é imediato associar os sintomas à ingestão de leite de vaca.
O diagnóstico precisa ocorrer através de uma dieta de exclusão de 2 a 4 semanas e reintrodução do leite de vaca (ou seja, um Teste de Provocação Oral, TPO) que é padrão ouro,7 porém isso nem sempre é possível na prática clínica.
Outros testes, como o teste cutâneo e IgE específico podem ser realizados, mas em muitos casos não são suficientes sozinhos para confirmar o diagnóstico.7
O formulário de pontuação do CoMiSS® não se destina a ser usado como ferramenta de diagnóstico e não deve substituir um Teste de Provocação Oral (TPO). O diagnóstico de APLV só pode ser confirmado por uma dieta de exclusão de 2 a 4 semanas seguida por um TPO.
Como usar a ferramenta de conscientização CoMiSS® na prática clínica
CoMiSS® quantifica o número e a gravidade dos sintomas.
Avalia a suspeita de "sintomas relacionados ao leite de vaca" com base na presença de uma combinação dos sinais e sintomas seguintes, por um período ≥ 1 semana e na ausência de doença infecciosa:
-
DESCONFORTO GERAL
Angústia persistente ou cólica infantil, medida pelo nível do choro em uma situação clínica.
-
SINTOMAS GASTROINTESTINAIS
Regurgitação frequente, vômitos, diarreia e obstipação.
-
SINTOMAS RESPIRATÓRIOS
Nariz escorrendo, tosse crônica e chiado.
-
SINTOMAS DERMATOLÓGICOS
Dermatite atópica (eczema), angioedema e urticária.
Como pontuar os sintomas na CoMiSS®
Se houver suspeita de sintomas relacionados ao leite de vaca, avalie os sintomas observados/relatados escolhendo pontuação mais apropriada para cada tipo de sintoma.
Choro
- O choro diz respeito às cólicas. As cólicas são definidas como > 3 horas de choro/dia por pelo menos 3 dias da semana por pelo menos 1 semana.
- A duração do choro deve ser avaliada. Quanto maior o tempo de choro, maior é a pontuação.
- O choro deve estar presente pelo menos 3 dias/semana durante 1 semana ou mais, avaliado pelos pais, sem qualquer outra causa óbvia.
- A pontuação está relacionada ao número de horas que a criança chora diariamente, por exemplo, até 3 horas de choro/dia será igual a uma pontuação de 3.
- A faixa etária durante a qual o choro (por cólica) deve ser considerado é entre > 2 semanas e < 4 meses.
Pontuação
0 | ≤ 1 hora/dia |
1 | 1 a 1,5 hora/dia |
2 | 1,5 a 2 horas/dia |
3 | 2 a 3 horas/dia |
4 | 3 a 4 horas/dia |
5 | 4 a 5 horas/dia |
6 | ≥ 5 horas/dia |
Regurgitação
- O grau da regurgitação define a pontuação.11
- Cada pontuação se aplica a um volume específico regurgitado e à gravidade da regurgitação.
- A regurgitação também inclui o vômito.
- A regurgitação só deve ser considerada se tiver a duração de ≥ 1 semana e na ausência de doença infecciosa.
- A faixa etária durante a qual a regurgitação deve ser considerada é entre > 2 semanas e < 6 meses.
Pontuação
0 | 0 a 2 episódios/dia |
1 | ≥ 3 a ≤ 5 episódios de volume < 5 ml |
2 | > 5 episódios de > 5 ml |
3 | > 5 episódios de metade do volume da mamada, em pelo menos metade das mamadas do dia |
4 | Regurgitações contínuas de pequenos volumes após +30 min de cada mamada |
5 | Regurgitação de mais da metade do volume de uma mamada, em pelo menos metade das mamadas do dia |
6 | Regurgitação da mamada completa após cada mamada |
Fezes
A escala Brussels Infants and Toddlers Stool Scale (BITSS) é usada para avaliar a consistência das fezes para lactentes com menos de 1 ano.12
- Tipo 1, 2 e 3 indicam fezes endurecidas
- Tipo 4 são fezes formadas
- Tipo 5 e 6 indicam fezes amolecidas
- Tipo 7 indicam fezes líquidas
Os sintomas gastrointestinais e as alterações nas fezes só devem ser considerados se tiver a duração de ≥ 1 semana e na ausência de doença infecciosa.
Escala BJTS *
Pontuação
4 | Tipo 1, 2 e 3 (fezes endurecidas) |
0 | Tipo 4 (fezes formadas) |
4 | Tipos 5 e 6 (fezes amolecidas) |
6 | Tipo 7 (fezes líquidas) |
*Na ausência de doença infecciosa.
-
Tipo 1
-
Tipo 2
-
Tipo 3
-
Tipo 4
-
Tipo 5
-
Tipo 6
-
Tipo 7
Pele
- Uma pontuação fácil de aplicar baseada em uma estimativa da superfície coberta pela dermatite, usando os desenhos de estimativa de superfície das queimaduras
- O eczema atópico só deve ser considerado se tiver a duração de ≥ 1 semana.
Sintomas Cutâneos
Pontuação |
Eczema Atópico (≥ 1 semana de duração) |
Cabeça-Pescoço-Tronco | Braços-Mãos / Pernas-Pés |
---|---|---|---|
0 | Ausente | 0 | 0 |
1 | Leve | 1 | 1 |
2 | Moderado | 2 | 2 |
3 | Severo | 3 | 3 |
-
Cabeça-Pescoço-Tronco
-
Braços-Mãos-Pernas-Pés
Superfície estimada:
0 = 0 | < 1/3=1 | 1/3-2/3=2 | > 2/3 = 3
- Se a urticária/angioedema pode estar diretamente relacionada ao leite de vaca (por exemplo, beber leite na ausência de outros alimentos), isso é fortemente sugestivo de APLV.
- O agravamento do eczema pode ser indicativo de APLV.
Sintomas Cutâneos
Pontuação |
(Aguda) Urticária* e/ou Angioedema* |
Não | Sim |
---|---|---|---|
0 a 6 | 0 | 6 |
Respiratório
Os sintomas respiratórios são considerados na CoMiSS®, porém não apresentam o mesmo peso que os outros sintomas. Isto porque os sintomas respiratórios podem ser causados pelo leite de vaca, mas na maioria das vezes a tosse crônica, o nariz escorrendo e até mesmo o chiado são causados por infecções virais.
Os sintomas a serem considerados são*:
- Tosse crônica
- Nariz escorrendo
- Chiado
Por um período de ≥ 1 semana
Sintomas Respiratórios
Pontuação
0 | Sem sintomas respiratórios |
1 | Sintomas leves |
2 | Sintomas moderados |
3 | Sintomas graves |
*Na ausência de doença infecciosa.
CoMiSS® Interpretação da pontuação total
CoMiSS® pontua de 0 a 33.
Cada sintoma tem uma pontuação máxima de seis, com exceção dos sintomas respiratórios (pontuação máxima de três).
-
TOTAL ≥ 10
Se a pontuação total da CoMiSS® for ≥ 10, isso pode sugerir sintomas relacionados ao leite de vaca. Pode potencialmente ser APLV.
-
TOTAL < 6
Se a pontuação total da CoMiSS for < 6, não é provável que os sintomas estejam relacionados à APLV. Procure outras causas.
Uma pontuação de 10 requer a presença de pelo menos dois sintomas graves e uma pontuação superior a 10 requer a presença de pelo menos três sintomas e o envolvimento de dois órgãos.
O que há de diferente na nova CoMiSS® atualizada?
As principais atualizações da CoMiSS® são:10
- A pontuação geral de corte foi reduzida para ≥10 (de ≥12), o que é sugestivo de APLV.
- A escala (Bristol Stool Scale) foi substituída pela escala Brussels Infant and Toddlers Stool Scale (BITSS) que reflete melhor a consistência das fezes de lactentes não treinados em banheiro.
- É fornecida uma orientação mais clara aos profissionais de saúde para indicar aqueles lactentes aos quais a ferramenta não se destina e aqueles que requerem encaminhamento imediato, como por exemplo, lactentes com anafilaxia, falha no desenvolvimento e lactentes doentes com hematoquezia.
Referências
- Flom JD and Sicherer SH. Epidemiology of Cow’s Milk Allergy. Nutrients. 2019;11(5):1051.
- Koletzko S, Niggemann B, Arato A, et al. Diagnostic approach and management of cow’s-milk protein allergy in infants and children: ESPGHAN GI Committee practical guidelines. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2012;55(2):221–9.
- Fiocchi A; World Allergy Organization (WAO), Food Allergy. 2017. Available from: http://www.worldallergy.org/professional/allergic_diseases_center/foodallergy
- Høst A and Halken S. A prospective study of cow milk allergy in Danish infants during the first 3 years of life. Clinical course in relation to clinical and immunological type of hypersensitivity reaction. Allergy. 1990;45(8):587–96.
- Vandenplas Y, Brueton M, Dupont C, et al. Guidelines for the diagnosis and management of cow’s milk protein allergy in infants. Arch Dis Child. 2007;92(10):902–908
- Munblit D, Perkin M.R, Palmer, D.J, Allen K.J, Boyle R.J. Assessment of evidence about common infant symptoms and cow’s milk allergy. JAMA Pediatr. 2020, 174, 599–608.
- Muraro A, Werfel T, Hoffmann-Sommergruber, et al. EAACI Food Allergy and Anaphylaxis Guidelines: diagnosis and management of food allergy. Allergy. 2014;69(8):1008–1025.
- Vandenplas Y, Dupont C, Eigenmann P, et al. A workshop report on the development of the Cow’s Milk-related Symptom Score awareness tool for young children. Acta Paediatr. 2015 Apr;104(4):334-9
- Bajerova, K, Salvatore S, Dupont C et al. The Cow’s Milk-Related Symptom Score (CoMiSS™): A Useful Awareness Tool. Nutrients 2022, 14, 2059.
- Vandenplas Y, Bajerova K, Dupont C, et al. The Cow’s Milk Related Symptom Score: The 2022 Update. Nutrients 2022, 14, 2682.
- Vandenplas Y, Hachimi-Idrissi S, Casteels A, et al. A clinical trial with an “anti-regurgitation” formula. Eur J Pediatr.1994;153:419-23.
- Huysentruyt K , Koppen I, Benninga M, et al; BITSS working group. The Brussels Infant and Toddler Stool Scale: A Study on Interobserver Reliability J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2019 Feb;68(2):207-213.